segunda-feira, 18 de janeiro de 2010




Desde que virou República em 1844, a Pérola Negra do Caribe, descoberta por Colombo e colonizada pela França, enfrenta a realidade do subdesenvolvimento e a dor da herança de separações violentas. Tanto dos seus descendentes escravos, trazidos à força da África, como a libertação da subserviência francesa. A violência está intrínseca na sociedade, a maior parte de seus governantes deixou o poder morto. Essas transições turbulentas (sangrentas) deixaram como legado a falta de instituições estatais sólidas, lacuna que a ONU tentava preencher até o terremoto. Menos de 5 mil brancos foram mortos e/ou expulsos na Revolução que libertou o país. Com inspirações da Revolução Francesa de 1789, o povo haitiano ao seu modo tomou o poder. Nesse movimento em direção a liberdade, os escravos dos canaviais franceses fundaram a primeira República Negra da América. Em 1804 o líder Toussaint Louverture, negro e escravo liberto deu início ao sonho de independência na ilha caribenha. Essa pequena parcela da sociedade francesa, que tocava os engenhos de açúcar, deixou um forte um legado entranhado na cultura da sociedade haitiana.


As Heranças da Antiga Colônia Francesa não se restringiram apenas na língua, o créole, mas também, no vestuário. Símbolos de hierarquia social no país vão além do dinheiro ou da cor. Calças masculinas com vincos, “fora de moda” em algumas partes do globo, permanecem como um forte signo de status social. Se olharmos assim como Diana Crane representa em seu livro "A Moda e seu Papel Social" é importante relevar que o uso deste tipo de vestuário é um resquício, uma alusão ao que se gostaria de representar, como Diana Crane coloca a “sobreposição semiótica”, um processo de acumulo sobre questões e conotações que envolvem um contexto histórico e imaginativo. Isso quer dizer que as roupas são sempre ferramentas de suma importância na construção da identidade, mas neste caso, para este povo, represente uma gama de sonhos, esperança e desejos de uma vida melhor. Sendo através de um vinco na calça ou simplesmente em ter uma peça de roupa para usar! Esse mesmo tipo de preocupação com a aparência, paradoxalmente para nós ocidentais é visto como uma ameaça ecológica. Cerca de 70% da população haitiana tem como principal fonte de energia o carvão. O corte indiscrimando de suas árvores deixou o Haiti com apenas 1,5% de sua capacidade florestal. Assim, o Haiti é o pior caso de desmatamento das Américas e se tornou o primeiro deserto caribenho, em função ao carvão oriundo de lenha. O antigo ferro de passar a carvão, o qual guardamos vagas lembranças da casa de nossas avós, continua fazendo os frisos nas calças da sociedade haitiana. Em meio a todo esse descaso, a sociedade encontra espaço e ânimo para se preocupar com a aparência. Cores fortes, calças frisadas e tranças fazem a cabeça do haitiano.
   


A dualidade que cada imagem carrega é quase mais angustiante que a realidade vivida pelos haitianos depois do Terremoto no dia 12 .Falar de um fato que não saí dos jornais de certa maneira é moda, é assunto globalizado que atinge um grande número de pessoas, envolve consumo, mercado e ações não só de Estado, como de pessoas mobilizadas dentro da questão, o que não torna as coisas mais simples. Até porque nada é tão complexo e compreensivo quanto à vontade de sobreviver, vencer a fome, e acreditar que o instinto de autopreservação é mais forte e ainda é possível.


O incrível deste cenário de devastação, e de certa maneira duro de admitir, são as imagens e fotografias que compõem essa história. Diante de tanta dor, perda e sofrimento, é absurda a riqueza, a expressão de vida que cada uma destas imagens contém. Dói o coração, assim como o click na máquina. Estas pessoas que não posam para fotos nasceram para compor as melhores e mais chocantes imagens da realidade subhumana. Seja pela tragédia e drama sem cor, seja pelas ricas cenas dos contrastes deste doce povo. Existi vaidade. Não pelo fato do consumo de moda ou imagem como vivemos em quase todos os outros países do mundo, mas a vaidade pela diferenciação do ser. Um raio de esperança nas tranças, nos laços e nas fitas que são os únicos ornamentos que cabem perfeitos aos corpos e cabelos destas mulheres e crianças. Preferindo às tranças ao cabelo solto, as haitianas sentam-se em frente às humildes varandas de suas casas e trabalham pacienciosamente nos cabelos fazendo tranças dos mais variados e ricos desenhos. São estes tipos de rituais de embelezamento que as transportam para fora da falta de dignidade, humanidade e descaso.

BON BAGAY - HISTÓRIAS DE CITÉ SOLEIL


 Fotos: http://www.alicesmeets.com/



Agradeço ao Rafa pela Ajuda no meu primeiro Post!

3 comentários:

  1. Ficou Otemo. Sagaz. Chocante. Mas há um fio de esperança. E o melhor, aquela foto que ganhou o prêmio da ONU não podia mesmo faltar!

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  2. Adorei o primeiro post... e as fotos são realmente muito boas.
    Beijos.

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  3. Existe encanto e beleza em todos os cantos. Basta um olhar sensível.
    Lindo primeiro post...amei!
    Jamile

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